Em uma decisão que reflete os novos tempos digitais, o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a utilização de dados de plataformas como iFood, Netflix, Uber, Rappi, 99, Mercado Livre e Amazon para auxiliar na localização de um devedor em processo de execução. A decisão, proferida pela 17ª Câmara de Direito Privado, representa um avanço no uso da tecnologia como ferramenta para a efetividade da jurisdição.
O caso analisado envolve uma instituição de ensino que busca, desde 2014, receber mensalidades escolares não pagas. Após esgotar as tentativas tradicionais de localização do devedor — como ofícios à Receita Federal, bancos e órgãos públicos —, a escola solicitou autorização judicial para recorrer diretamente às plataformas digitais, onde, possivelmente, o devedor mantém cadastros atualizados.
Embora o juízo de primeira instância tenha indeferido o pedido, sob o argumento de que as empresas citadas não mantêm vínculo direto com o processo, o TJSP reformou a decisão. Para os desembargadores, o contexto atual exige uma interpretação mais moderna e pragmática da legislação processual.
O relator do caso, desembargador Afonso Bráz, destacou que os cidadãos utilizam, diariamente, serviços e produtos oferecidos por essas plataformas, deixando nelas rastros digitais valiosos, como endereços, telefones, dados de pagamento e localização. Em suas palavras, “é razoável admitir que o requerido mantenha cadastro em algum desses aplicativos”, e que, portanto, a consulta a essas bases de dados é um meio legítimo e proporcional para dar andamento ao processo de cobrança.
A decisão não autoriza que os dados sejam fornecidos diretamente ao Poder Judiciário. O que foi autorizado, na prática, foi que a própria parte interessada — a escola, neste caso — encaminhe pedidos diretamente às empresas, munida da decisão judicial, solicitando as informações necessárias à localização do devedor.
Essa medida, embora ainda inusitada para muitos operadores do Direito, encontra amparo no princípio da efetividade da execução, previsto no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, que permite ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias ao cumprimento da ordem judicial.
O precedente, oriundo do Processo n.º 2328641-51.2024.8.26.0000 (para consulta pública em tjsp.jus.br), certamente terá repercussão em outras ações judiciais em curso no país. A decisão evidencia o esforço dos tribunais em se adaptar à realidade digital, equilibrando o direito à privacidade com a necessidade de garantir a prestação jurisdicional efetiva.